Medo do povo
Já muito próximos das eleições presidenciais com pouca participação cívica, mas que determinará, por mais cinco anos, muitos dos destinos do país que, mais uma vez, parece obedecer ao conformismo imposto pelas elites urbanas, e dos partidos políticos do poder, ao continuarem a impor uma ditadura dos piores costumes contrários à democracia, só porque têm medo do povo.
Pouco interessa que os discursos, sempre repetitivos, falem das conquistas do 25 de abril se, constantemente, são violados os mais elementares direitos de cidadania, mesmo por órgãos eleitos e em representação do povo? Falo em abstrato porque é, na sua génese, um problema de regime e de reformas políticas que, o PS e o PSD teimam em não querer discutir.
Tive o privilégio de ter participado ativamente no 25 de abril de 74, quando prestava serviço militar. O entusiasmo dos portugueses foi esmagador, por romper com um regime caduco e totalitário, na busca da liberdade. E é esse o mesmo espírito que hoje, e mais que nunca, continuo a ter. É preciso defender os verdadeiros valores da Liberdade e das liberdades, independentemente da sua origem de direita ou de esquerda. Os valores da Liberdade não têm selo de qualidade ou de garantia. Estes valores são reconhecidos e aceites desde que os povos, sociedades, homens e mulheres, em suma, o povo, se sinta livre e participe!
Em todos os atos eleitorais fala-se muito da abstenção; mas ninguém quer saber se o sistema eleitoral cumpre os desígnios dos seus eleitores. Não vale a pena participar em órgãos que não são capazes de romper com hábitos de risco, mesmo resguardados sob a capa da legitimidade democrática… estes riscos são aqueles onde os eleitos participam e sobre os quais, obedecem ao poder que os sustenta, às vezes sem nenhuma relação de acompanhamento, contudo cúmplices de tais riscos. Para o bem e para o mal.
Os órgãos do poder autárquico tal como são constituídos e do poder neles exercido, estão longe de cumprir a sua função. Para que serve uma câmara ter vereadores de diversas forças políticas? Uns com funções executivas e outros da oposição; não faz sentido que, no mesmo executivo, coexistam grupos antagónicos com Estatuto de Direito da Oposição! Os executivos devem ser únicos e solidários, sujeitos ao seu escrutínio eleitoral de quatro em quatro anos, e permanentemente fiscalizados pelos órgãos deliberativos (Assembleias). São estes os desígnios da democracia representativa e participativa!
Só os órgãos deliberativos devem ter um papel de efetiva e permanente fiscalização sobre o poder executivo (como na Assembleia da República e no Governo); o mesmo deveria ser para os órgãos autárquicos com as devidas adaptações. Que adianta um órgão deliberativo chumbar um orçamento? Nada! Que adianta um órgão deliberativo aprovar uma moção de censura ou de desconfiança sobre procedimentos reprováveis? Nada! Que adianta os vereadores não terem o direito à informação? Nada!
O PS e o PSD já tentarem (sem sucesso) alterar a Lei eleitoral e o Regime Jurídico sobre a composição e exercício dos órgãos autárquicos. Tal desiderato torna-se imperativo e urgente para que, no mínimo, os órgãos executivos sejam de um único partido, ou por acordos pontuais com outras forças políticas de acordo com a representatividade nos órgãos deliberativos. O modelo atual serve, muitas vezes, mais para humilhar e coagir quem está na oposição, do que um exercício livre e de cidadania plena.
O PS e o PSD preferiram aprovar uma Lei na AR para restringirem a participação cívica de grupos de cidadãos eleitores nas autárquicas (já em 2021), e ter sido promulgada pelo presidente da República, em agosto de 2020.
Que os portugueses estejam à altura da avaliação de quem, afinal, não se coíbe de cortar direitos conquistados constituindo, Infelizmente, um retrocesso civilizacional. E não se lamentem se a descrença na política e nos políticos ser maior que a motivação para nela participar.
Artigo de opinião de Domingos Pereira – vereador da CM de Barcelos.
Com a edição de 07/01/2021 do Jornal Barcelos Popular.