Ninguém, no seu estado de perfeita lucidez poderia admitir que, na passada semana, pudéssemos assistir a uma comédia política de tal enredo que terá deixado muita gente no mínimo intrigada, sobre o conflito entre S. Bento e Belém, com a mira bem apontada ao ministério das Finanças. Os verdadeiros atores foram, naturalmente, o primeiro-ministro António Costa, o presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Centeno, ministro das Finanças.
O debate na Assembleia da República entre o primeiro-ministro e os deputados correu mal ao primeiro-ministro, particularmente, na resposta dada ao BE sobre o empréstimo de 850 milhões de euros ao Novo Banco. E o primeiro-ministro acabou por ter que fazer um pedido público de desculpas ao seu ex-parceiro de coligação parlamentar, o BE. Porventura, isto foi o culminar de um mal-estar já latente que se manifestou num cenário provocado, ou não, entre S. Bento e Belém. Ora, eventuais conflitos que pudessem existir, só seriam sanados desde que os factos que lhes deram origem fossem clarificados.
Portanto é legítimo que, cada um de nós faça a leitura dos acontecimentos e das intenções dos seus protagonistas, ao exercerem o poder de cargos públicos, que deve ser na defesa do interesse geral. Por isso, é igualmente legítimo que se questione qual ou quais motivos da ida de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, no mesmo dia e hora, à Autoeuropa, representando, cada um deles, órgãos de soberania diferentes, e com declarações que bem conhecemos: mais partidárias que institucionais.
Escolherem o mesmo local para, publicamente, manifestarem apoio um ao outro, esquecendo-se do exigido respeito pelo princípio da separação de poderes. Não é fácil compreender. Mais parecia um rancho folclórico a dançar e a cantar: “Ora agora viras tu/ora agora viro eu/ora agora viras tu/ viras a mais eu…”
De qualquer forma estava criado mais um facto político desnecessário do ponto de vista da governabilidade. Marcelo elogiou Costa na sua ação governativa e parlamentar; Costa lança Marcelo para um segundo mandato à Presidência da República; Centeno é fragilizado na sua ação governativa. Enfim… como se diz: “na política o que parece é”.
Porém, o alvo das Finanças não tinha sido atingido. O “tiro” fez ricochete e voltou para Belém e S. Bento; ambos, com feridas a sangrar e já sem poder parar a hemorragia através de pensos rápidos, Centeno vai a S. Bento. Há necessidade de recorrer, talvez, a um “perdoa-me”! De qualquer forma, tudo ficou decidido: Marcelo apoia Costa na sua ação governativa de um governo minoritário; Costa apoia Marcelo para a recandidatura a um segundo mandato; Centeno sairá do governo (excelente ministro!) para deixar vago o seu lugar para alguém que possa dar mais folga orçamental e gastar mais dinheiro em tempos muito difíceis. Mas como? O controlo orçamental e os seus défices mais que previsíveis, não podem ser negligenciados, nem ignorar um crescimento da dívida pública. Já temos um cenário preocupante de uma recessão económica sem precedentes, sem esquecer a crise social.
Para terminar, e seria imperdoável que não o fizesse, é falar do papel da oposição. O mais atingido e prejudicado foi o PSD. Desde logo, pelo embaraço de ter sido o primeiro-ministro António Costa a lançar Marcelo para um segundo mandato (mesmo sem o apoio dos órgãos do PS!); depois, porque Rui Rio em vez de criticar e afrontar politicamente o primeiro-ministro pediu a exoneração do ministro das Finanças. Mas porquê? (logo Centeno!).
Então não é o primeiro-ministro o coordenador do governo, e sobre ele recair toda a responsabilidade política pelos erros cometidos, independentemente do seu autor? Tanto quanto sei e me parece, Rui Rio é candidato a primeiro-ministro e não a ministro das Finanças. A menos que esteja enganado!
Artigo de opinião de Domingos Pereira – vereador do BTF na CM Barcelos.
Com a edição de 21 de maio de de 2020, do Jornal Barcelos Popular