Portanto, temos duas realidades bem distintas: as autarquias de Lisboa, com as juntas de freguesia que gerem milhões e as dos outros concelhos que gerem simplesmente tostões!
O XXI Governo Constitucional da legislatura anterior liderado pelo PS apresentou, no seu programa, políticas de descentralização de competências para os municípios, freguesias e comunidades intermunicipais.
A primeira iniciativa ocorreu com a apresentação de uma proposta de lei na Assembleia da República que viria a aprovar a Lei 50/2018, de 16 agosto, Lei-quadro da transferência de competências para as entidades referidas.
Mais tarde, foram regulamentadas através do Decreto-Lei 57/2019, de 30 de abril. A sua implementação teria uma aplicação gradual com aceitação ou não pelas partes, mas obrigatória a partir de janeiro de 2021. Das transferências previstas, nem todas terão que o ser desde que as câmaras municipais as considerem estruturantes.
Assim, a autarquia barcelense vai assumir algumas das competências das freguesias, nomeadamente, a gestão de feiras e mercados.
Mas o cerne da questão não se coloca aqui. Tudo tem a ver com mais uma tentativa falhada por parte do governo, sobre a dimensão que se pretendeu dar às freguesias, mas que, por falta de coragem política, não foi dada maior autonomia administrativa e financeira para poderem levar a cabo, efetivamente, as tão apregoadas delegação de competências.
Ora, também no âmbito das autarquias locais, o país anda a duas velocidades: Lisboa tem delegação de competências em todos os domínios, porque lhes foram transferidos os correspondentes recursos humanos e outros meios logísticos, com o necessário envelope financeiro para poderem exercer as competências com toda a dignidade; no resto do país as transferências de competências são aparentes, porque as freguesias não têm aqueles recursos por falta de vontade política e, na falta deles, não podem responder às reais necessidades das populações.
Portanto, temos duas realidades bem distintas: as autarquias de Lisboa, com as juntas de freguesia que gerem milhões e as dos outros concelhos que gerem simplesmente tostões!
Não há a mais pequena dúvida que só há verdadeira descentralização da administração central para a local, nomeadamente para as freguesias, quando houver uma profunda alteração da Lei das finanças locais ao determinar quais as comparticipações financeiras das freguesias na arrecadação das receitas do IMI (prédios avaliados), participação do IVA, do IRS, da Derrama, do IUC e do IMTI. As receitas de outras taxas a cobrar sobre os serviços que prestam às populações, são irrelevantes.
Não é por acaso que, na línea a) do nº 1 do artigo 2º do DL 57/2019, seja dada tanta importância “… manutenção de espaços verdes” ou na alínea b) “A limpeza das (…) sarjetas e sumidouros”, como se fossem transferências dignas de registo! Ora, todas as transferências previstas para as freguesias são competências que envolvem poucos recursos financeiros, de despesas reduzidas e com pouco significado. Com esta delegação de competências, as juntas de freguesia ficam com muito menos recursos financeiros para outro tipo de atividades indispensáveis para a melhoria da qualidade de vida das populações.
Vale, de facto, a política adotada pelo município com a transferência de competências através do “Protocolo dos 200%” (que terá que ser diferente) que, não sendo perfeito, é de longe mais justo e equitativo.
Esta delegação de competências é um retrocesso para a autonomia e dignificação das freguesias e dos seus órgãos pelo que, tudo o que puder ser feito para dignificar o seu desempenho o deverá ser, para um exercício pleno de cidadania dos eleitos locais.
Por isso, e ao fim de tantos anos a falarmos na descentralização e transferência de competências para os municípios e freguesias é justo questionar: descentralização para quê? Naturalmente que, nestas condições, para nada!
Artigo de opinião de Domingos Pereira – Vereador do BTF na CM de Barcelos.
Com a edição de 12/11/2020, do Jornal Barcelos Popular.